terça-feira, agosto 19, 2008

A experiência bem sucedida é a que provoca insatisfação

Publicado em "Educar e aprender - uma experiência coletiva", organizado por José Renato Polli e Márcio Martelli, publicado pela Editora InHouse, Jundiaí - SP, 2008.
O título desse texto responde ao que me coloquei pensando sobre o que escrever ao relatar uma experiência bem sucedida de aprendizagem. A questão que apareceu logo de saída foi: o que seria essa experiência de sucesso no âmbito do trabalho em uma instituição superior particular nos dias de hoje? Por que a insatisfação como resposta? Isso está mais adiante, no final do texto.
Há algum tempo lecionando no ensino superior, sempre tive a impressão de que boa parte das IES (Instituições de Ensino Superior) privadas representavam uma alternativa para aqueles que, por exigências profissionais ou movidos por vontade própria, buscavam continuar seus estudos e não encontravam espaço nas instituições públicas.
A expansão do ensino superior no país é um fenômeno digno de nota. O processo segundo o qual ele se realiza, assim como a forma que ele adquire nos dias de hoje, como tudo na vida, é passível de discussão: maior ou menor regulação do governo em relação ao funcionamento dos cursos já estabelecidos e o aumento da oferta de vagas, o rigor na aplicação dos critérios para abertura de novos cursos, a avaliação dos recém formados. Essa proliferação de vagas nas instituições privadas e o aumento de oferta nas escolas públicas mostraram, entre outras coisas, uma demanda crescente e segmentada, um fenômeno bem captado, particularmente pelas referidas instituições de caráter privado. Essa sensibilidade transparece nos diversos formatos e conteúdos dos cursos disponíveis: de dois a cinco anos de duração, com estágios ou trabalhos de conclusão, presenciais ou a distância, apostilados. Há uma grande combinação de formas tais que permite ao freguês, ou melhor, cliente, digo, aluno, alcançar um título de bacharel ao final de um período.
Uma diferenciação que se mantém, por exemplo, na hora dos exames de avaliação, aplicados periodicamente aos formandos do ensino superior, quando encontramos alunos concluintes com aulas de reforço ao lado de outros que se dão ao luxo de boicotar a prova. Qual a origem de tamanha disparidade? Mero reflexo da caráter elitizado que adquiriu a escola pública de nível superior? Uma distorção dessa forma de expansão da oferta de vagas, sem uma comprovada contrapartida na qualidade?
Quero deixar claro que nada tenho contra a expansão do número de vagas no ensino superior. Uma vez que foi criada essa situação ao redor onde o diploma define aptidão da pessoa para tomar parte no mercado de trabalho, é muito difícil escapar dessa imposição. Minha questão é tratar da preparação profissional, mais precisamente a educação superior como se estivéssemos diante de mais um bem de consumo, um fenômeno de massa acessível a todos. Um mal estar que aumenta, tendo em vista a qualidade que tem sido obtida a cada turma que se forma.
Há, claro, aqueles acreditam que o bom profissional é aquele que dispõe de recursos para bancar sua formação. Estes não enxergam problemas no sistema. Pelo contrário, entendem que qualquer sistema de cotas ou políticas compensatórias introduzem distorções no processo social do reino do faz de conta onde os indivíduos bem informados, condicionados apenas pelos respectivos orçamentos, fazem escolhas que maximizam seu bem estar. Nesse caso, com a educação não seria diferente: o valor da mensalidade justifica a qualidade do serviço oferecido. O cinismo dessa argumentação chega ao disparate de afirmar que qualquer diploma é melhor que nenhum. Pouco importa se os exames das ordens profissionais ou a própria seleção promovida pelo mercado mostrem o contrário: que o título definido pelo diploma não corresponde às habilidades demonstradas pelo seu portador.
A totalidade das experiências é diferente disso, porém. Nem toda sala entra para o anedotário docente, uma reação de defesa frente a necessidade de relaxar as expectativas de retorno com o trabalho em sala de aula e, justiça seja feita, na elite do ensino superior também encontramos figuras bastante emblemáticas da lei do menor esforço. Na média, portanto, alunos são alunos e os professores estão ali para frustrar suas expectativas.
Claro que não é nada disso; nesse tempo em sala de aula tive oportunidade de perceber uma realidade que problematiza essa simplificação entre público e privado, anarquiza com o senso comum que separa os bem colocados das instituições públicas daqueles a quem “só resta” o ensino superior noturno, privado e de baixa qualidade. Evidentemente as condições para o ensino e a aprendizagem não são as mesmas, há tantas situações concretas quanto interpretações sobre o que pode estar acontecendo.
Tratando especificamente desse universo onde sobram desafios, digamos assim, encontramos aqueles alunos que nadam contra a corrente e se diferenciam. Estou falando daqueles que, cumprida uma jornada de trabalho, ainda encaram algumas horas extras sem remuneração, ao menos no sentido monetário do termo: as aulas. Procurem imaginar o que deve ser isso nos dias de hoje, quando é relativamente comum alguns quilômetros de estrada entre a casa e o trabalho, passar ainda umas boas quatro horas de aula, antes do merecido colchão! Esses são bons.
Esmiuçando um pouco mais, há aqueles que, não bastasse essa ordem de desafios, ainda acompanham os cursos. Sempre brinco com eles dizendo que eles deveriam organizar grupos de trabalho e dividir a leitura ao longo dos semestres: se cada grupo desse conta de, ao menos, uma disciplina, todos eles poderiam trocar anotações de leitura. Claro e ainda bem, aliás, que eles não levam isso a sério, mas alguns individualmente o fazem e se dedicam de forma exemplar a manter em dia o conteúdo visto em sala. Esses são melhores.
Infelizmente, sabemos que não são muitos os que vencem as adversidades de um curso noturno, enfrentando satisfatoriamente a sucessão de aulas, provas e trabalhos. Nesse universo de alunos diferenciados, há uma minoria que me veio a cabeça como ideal de aprendizagem: alunos para os quais a conclusão do curso superior foi mais um momento de sua trajetória. Ao invés de um ponto de chegada, o diploma deu-lhes impulso, por exemplo, para a carreira acadêmica, abrindo outra perspectiva de atuação profissional e desenvolvimento pessoal.
Seria muito mais fácil descrever aqui como foi gratificante encontrar a dedicação desses alunos que se diferenciaram desde o primeiro dia de aula. Tão fácil quanto distante do que acontece ou daquilo que acompanhei. Por coincidência, fui professor de alguns deles durante todo o curso e nada apontou na direção de alguém que dali a pouco estaria freqüentando a pós-graduação de uma das melhores universidades do país. Havia sim, algum interesse pelos assuntos tratados, assiduidade às aulas, enfim, aquelas peculiaridades que caracterizam a conduta que esperamos de um aluno e que se mantiveram constantes ao longo dos anos. Nada além disso, nada que dissesse: esse aí vai longe! Parece que essa é uma trajetória comum; exceto pelas situações totalmente fora do normal: alguém escreveu, por exemplo, que Florestan Fernandes, enquanto não despontava como o grande pesquisador que foi, lia avidamente os clássicos da Sociologia entre uma bandeja e outra que servia, trabalhando como garçom. Na maioria dos casos porém, parece que a regra é o caso de alguns de meus professores, que foram lembrados pelos seus mestres em situações difíceis, reprovações, por exemplo.
Já nos poucos casos que acompanhei, foi nos últimos meses do curso surgiu a opção por esse salto qualitativo e tanto. Talvez seja essa a motivação para que alguns professores insistam tanto em seu ofício, a esperança de criar esse ímpeto que leva alguns poucos de seus alunos adiante, ainda que sob pena de maltratar uma maioria que inúmeras vezes preferiria que a aula acabasse logo, antes de mais uma pergunta e outra explicação. Falo por experiência própria, é esse aspecto que ainda mantém meu interesse pelo trabalho docente: a expectativa, ou a surpresa causada por um texto bem escrito que mais tarde venha a se tornar um trabalho de pesquisa.
No âmbito do meu trabalho em sala de aula, a experiência bem sucedida é aquela onde o calendário oficial se separa da curiosidade do aluno, o que faz do período letivo mais uma data e o curso um dado biográfico face a busca por mais informações e a reflexão que decorre desse processo. E, sendo assim esse texto é para dizer que torço muito por aqueles que ousaram e foram mais além, insatisfeitos com um diploma de nível superior, diria que esses são imprescindíveis.

quarta-feira, julho 16, 2008

Um professor e seu lugar

Um professor e seu lugar - Francisco Carlos Orlandini.

Publicado em "Retratos da sala de aula", organizado por José Renato Polli e Márcio Martelli - Jundiaí - SP: Editora In House, 2007.

Para escrever sobre minha experiência em sala de aula vou pensar sobre o que se passou nesse tempo, ainda que evitando os elementos, digamos, institucionais. Por isso não vou tratar aqui diretamente da expansão do ensino superior, da infinidade de cursos e escolas ou ainda do batalhão de novos alunos a cada período letivo, embora eles acabem interferindo no dia a dia do professor, como procuro deixar claro mais adiante. Ao invés disso vou contar sobre o que tenho visto nesse ambiente de trabalho, procurando me situar como parte dele.

Não é das coisas mais fáceis definir o modo de contar uma estória, principalmente quando ela descreve uma nova experiência. Lembro que naquela época também achei o começo difícil, muito difícil; não só pelo fato de que, de repente, me colocaram diante de quase cem pessoas, ou talvez por isso mesmo, por estar certo de que tinha muita coisa para dizer a elas e que todos estavam ali para me ouvir. Acho que não preciso dizer que as coisas não saíram exatamente como eu esperava. Hoje, quando me lembro daquela situação, fico impressionado tanto com a minha certeza de que estava conduzindo aqueles alunos para uma experiência enriquecedora, como também com a minha convicção de que era isso que os alunos entendiam e queriam. Ainda me pergunto sobre o aprendi desde então.

Talvez uma boa parte desse tempo tenha servido para a olhar de outra forma para a o trabalho em sala de aula, mais especificamente questionando se aqueles alunos tinham mesmo o interesse que pensei adivinhar e se desejavam todo aquele meu esforço. Demorei a perceber a diferença que já naquele momento existia entre o caminho que eu e muitos de meus colegas fizemos e o que era aquele ambiente onde trabalhávamos. Isto é, a distancia entre um estudante que se dedica quase que exclusivamente à universidade e aquele que se prepara para as aulas no intervalo do horário de trabalho ou depois que os filhos foram dormir.

A percepção de que o ambiente onde eu me iniciava como professor não correspondia exatamente a aquele de onde eu havia saído, não foi suficiente para compreender o que se passou depois, embora tenha sido fundamental. Foi ficando claro que eu não iria reproduzir um caminho já feito, mais do que uma questão de estilo, o próprio jogo foi se transformando ao longo desse tempo.

Acredito que parte dessa mudança é resultado da maneira como cresceu a oferta de vagas nas escolas e o ambiente da sala de aula passou a refletir esse fenômeno. A faculdade tornou-se uma realidade para muito mais gente que antes, alcançando pessoas cujas estórias de vida foram redefinidas por esse contexto em transformação. Ao lado daqueles que conseguiram dar continuidade à formação profissional, outro tanto retomou os estudos. E com as maiores oportunidades de estudo surgiu uma diversidade de objetivos entre os alunos do nível superior. Com mais escolas e mais gente dentro delas, foi possível perceber que nem todos tinham a mesma perspectiva do que faziam ali, pois não foram levados pelos mesmos valores. Abro espaço para uma pequena observação: justiça seja feita, os empresários do ensino naquele momento sabiam perfeitamente o que estavam fazendo ao se voltar para essa população que não encontrava espaço nas escolas então existentes. Seja pela estabilidade econômica, seja pelos critérios de abertura e ingresso nas instituições, o fato é que para uma boa parcela da população a educação superior deixou de ser uma possibilidade remota. E em um país marcado por tantas desigualdades e carências, foi oferecida a preços módicos a oportunidade de diferenciação, o prestígio social conferido pelo diploma.

Olhando a partir do outro lado do balcão, porém, cabe perguntar: será esse o propósito da educação superior, aproveitar uma oportunidade de negócios, engordar estatísticas oficiais e, de quebra, permitir que mais gente possa ter um diploma? Qual é a demanda atendida por esse crescimento da população universitária? Que respondam os milhares de recém formados que não conseguem aprovação nos exames da OAB, por exemplo. Fecho parêntesis e retomo o assunto de onde parei: a sala de aula acolhe projetos pessoais totalmente distintos entre si.

O curso superior é um fim para alguns, mais uma etapa para outros e uma expectativa de futuro para outro tanto de gente. Assim sendo, se dentro da sala os alunos não falam todos a mesma língua, como está o professor nesse processo?

Quando comecei a trabalhar como professor, observava alunos que liam bastante, alguns que perguntavam mais que outros, que tinham notas melhores, enfim, que constituíam a parcela que se diferenciava em relação ao grupo que começava o ano. E dessa maneira a escola nos colocava um conjunto de obrigações como professores: além da rotina de assiduidade e pontualidade, a necessidade de dar conta dessa diferença, acompanhando de perto aqueles que não seguiam no ritmo da maioria.

Esse quadro começou a mudar quando a figura do cliente passou a freqüentar nossas escolas. Pouco a pouco o rendimento acadêmico deixou de ser algo tão discutido nas reuniões, é verdade que algumas grades até se modificaram, foram otimizadas, cursos tiveram sua carga horária reduzida, adequando-se às possibilidades para as novas instituições de ensino. Mas as reuniões já não eram mais as mesmas, pois a contenção da inadimplência, a necessidade de receita passou a ser mais discutida que o progresso dos alunos em relação aos conteúdos dados em sala.

Com isso, mudaram um pouco as exigências para o lado do professor. De forma geral, a gente nota uma diminuição na importância da formação acadêmica para o trabalho em sala de aula. Enaltecendo o famoso “mercado”, o discurso mais up to date sugere ao professor o recurso à “outras habilidades” capazes de desenvolver “novas competências” no aluno, desculpe, cliente! Associado ao uso de novas ferramentas em sala de aula, chegamos ao reino da fantasia, conduzidos pela tecnologia digital. Saltamos do retroprojetor ao datashow, das fotocópias aos cursos “apostilados” e, cada vez mais rápido, caminhamos em direção ao que o passado recente teve de pior em educação. Alguns elementos surgidos a margem da expansão do sistema de ensino são atualizados e disseminam como novidades. Falando em português claro: as salas de aula lotadas que caracterizaram os pré-vestibulares nos anos 70, são o padrão de boa parte das IES (Instituições de Ensino Superior). E o que dizer então da padronização do material didático? Ao invés do incentivo à leitura, as apostilas, seguindo a moda dos mesmos cursinhos. Algumas vezes esse nível de excelência em educação é alcançado com a distribuição de resumos de aulas.

Daí que devemos ficar satisfeitos quando nos fazem perguntas depois de uma exposição, pois é uma situação nos faze lembrar o tempo em que a sala de aula era um ambiente onde se buscava alguma reflexão, fruto de esforço, de sacrifício, em suma, de trabalho intelectual; um lugar, portanto, onde não passava pela cabeça de alguém perguntar “pra que serve isso, professor?”. Não havia dúvida acerca do motivo pelo qual estavam todos ali.

Novas pessoas, novos materiais, novas exigências. Dessa forma, deixou de ser incomum a busca quase que obsessiva pela satisfação da clientela. E aquilo que era piada ganhou forma, consistência passou a ameaçar o trabalho docente: uma das percepções acerca dessa “democratização” do ensino superior é a de que o professor é aquele que está pronto para atrapalhar a transação entre a escola e seus alunos. Com isso, o cliente foi ampliando sua importância o aluno foi ficando em segundo plano e o professor... Bem, o professor passou a ser contabilizado como um custo para a instituição. E assim se completa um circuito: onde mais freqüente é a figura do cliente, menos presentes são os alunos e totalmente dispensável, posto que desprovido de sentido, é o papel do professor.

sexta-feira, julho 22, 2005

Boas vindas!

Olá, essa é a primeira mensagem do blog, o qual, aliás, criei a menos de cinco minutos, sob a irresistível influencia do meu filho mais velho!
Fique a vontade para comentar a situação, só não vale falar de festa no ap!
As cpi's avançam.. alguem aposta em pizza, ou será que serão tantos os cassados (ou mereceriam ser mesmo caçados?) que teremos uma reforma no congresso antes mesmo das eleições?
Ok, é um começo de conversa...É isso aí!